Contos da Cigana


Mãe e Filha.

O sol estava nascendo, Benedita, acabou de chegar, depois de uma noite no hospital, mulher magra e alta, pele clara, nos seus sessenta de idade, passou por sua pior crise, o câncer de sua filha, tirou os sapatos e trocou sua roupa por um pijama, quando foi se deitar na sua cama que há dias não é arrumada a campainha toca.
Ela se dirigiu até a porta, quando a abre surpreendeu-se, era Zilda a senhora negra mãe do aleijadinho da cidade, nunca as duas tinham se falado, devido à diferença social.

- Ela pode curar sua filha! Ela pode fazer milagres! 
- Ela pode curar sua filha! Ela pode fazer milagres!
- Por favor, eu tive uma noite terrível, do que você está falando.
- A cigana! Ela curou meu filho, pode ajudar sua filha.
Benedita levou as duas mãos ao rosto, não sabe se era cansaço ou raiva.
- Por favor! Deixe-me descansar, não dormi nada esta noite!
- Pelo amor de deus, acredite em mim, olhe meu filho agora ele anda.

Benedita não acreditou no que viu, era o negrinho 
aleijado de pé a alguns metros dela, com um lindo sorriso no rosto, Zilda o chamou, caminhou com uma pequena dificuldade.

- A cigana disse que em menos de um ano ele estará andando normalmente, ela tem uma barraca cinza perto do antigo engenho.

Benedita ainda estava abobada com o negrinho e Zilda finalizou.

- Ela disse que procurasse apenas alguém que estivesse numa situação pior que a minha, eu só consegui lembrar você.

Zilda colocou a mão no ombro de seu filho, o menino deu um sorriso para Benedita, iniciaram a caminhada pela calçada, Benedita acompanhou com os olhos, até que dobram uma esquina.

A campainha tocou novamente, Benedita trajando calça jeans e uma camisa branca, segurando sua bolsa de couro preta foi atender a porta, sabe de que era Célia sua melhor amiga, que veio ao seu chamado.

- Minha amiga! Vim o mais rápido que pude!
Célia, senhora de 55 anos, branca e olhos azuis, trajava uma calça jeans e uma camiseta verde.
- Renata! Sua filha...
- Ela está viva! Preciso de sua ajuda – disse Benedita – Preciso ir até o antigo engenho fazer uma consulta.
- Antigo engenho! Não tem nada lá.
- Por favor! Não me pergunte nada, apenas me leve lá.
- Meu fusca está ai fora, em meia hora estamos lá.
As duas senhoras entraram no fusca verde e partiram para o velho engenho.

Célia tentou puxar conversa com Benedita durante a pequena viagem, mas ela não disse uma palavra, quanto mais perto do engenho, Benedita ficava mais agitada.
- O engenho é logo depois desta curva. – Disse Célia.
A cabana cinza apareceu depois da curva, também uma carroça que mais parecia um trailer, com porta e janela, o carro sai da estrada e parou bem próximo à cabana, as duas desceram e Célia vê um caldeirão, sinais de  uma fogueira, não resistiu e olhou o que tinha dentro, viu apenas repolho e feijão cozido.
- Estão servidas

As duas senhoras se viram, era a cigana trajando um vestido verde dos pés até os ombros.

- Zilda! Disse que a senhora pode me ajudar – Disse Benedita.
- A mãe do negrinho que não andava! .
- Ela mesma!
- Vamos entrar na cabana, lá você me conta tudo.
E Benedita entrou na cabana, quando Célia tentou entrar à cigana fez um pequeno movimento com a mão pedindo que espera-se do lado de fora.

A cabana parecia bem maior pelo lado de dentro, havia uma mesa de madeira e no meio dela uma vela azul, dois banquinhos de madeira, um de cada lado, a cigana a convidou a sentar. 

- No que eu posso ajudar à senhora?
- Minha filha, está com câncer no pâncreas, minha única filha, faço o que for preciso, se eu puder troco com ela.
- Acho que posso te ajudar, espere um momento.

A cigana saiu da cabana, antes que Célia diga algo, faz outro sinal com a mão pedindo calma e entrou na carroça e fechou a porta, passou alguns minutos lá dentro, a porta se abriu, sai com algo na mão, parece um tubo ou um copo, parece muito antigo, Célia olhou com estranheza, algo está em sua outra mão, um frasco com algum liquido dentro, ela passou por Célia, entrou na barraca.

- Aqui está! – Disse a cigana
- O que é isso.
- Isso é o que vai salvar sua filha, mas você terá que fazer um sacrifício, toda agonia de sua filha passará para senhora.
- Eu aceito esta troca, pela minha filha faço qualquer sacrifício.
- Até a morte.
- Sim
- Então basta a senhora coloca esta poção nesta caneca, sopre como estivesse depositando seu espírito.
- E minha filha ficará curada.
- Sim! Mas toda enfermidade que ela tiver passará para você.
- Eu aceito. – disse Benedita olhando para o chão.
A cigana levantou a caneca, Benedita viu a imagem em alto relevo de duas mulheres, uma velha e uma jovem, as duas nuas sentadas em uma rocha.
- Veja esta é deusa Gaia, a terra, esta deusa Réia, mãe e filha, elas podem te ajudar.

- O que eu preciso fazer?
- Basta deixar a caneca e a poção com sua filha, ela terá que fazer o mesmo sacrifício, mas sem saber que sua vida não correra risco algum. 
Benedita pega a caneca, olha a figura das duas deusas, em sua mente sua vida passa como um filme, olha para cigana e disse.
- Como posso te pagar?
- Este relógio no seu braço, é de ouro?
- Sim! O meu falecido marido meu deu no vigésimo quinto aniversario.
- Isto serve!

Benedita e a cigana sairam da cabana, Célia notou o relógio na mão da cigana.

- Seu relógio – diz Célia.

Benedita nem deu atenção, caminhou até o fusca e entrou. 

- Por favor, Célia, não faça perguntas, apenas me leve para o hospital.

Célia deu uma ultima olhada, neste momento a cigana piscou com o olho esquerdo para ela.

O fusca verde parou no estacionamento do hospital, Benedita ficou calada toda viagem de volta, Célia fez de tudo para descobrir o que aconteceu dentro da barraca, Benedita saiu do carro e disse.
- Por favor, me espere aqui, não vou demorar.
Célia olhou para ela, não conseguiu dizer nenhuma palavra, apenas confirmou com a cabeça.
Benedita entrou no hospital, passou pela recepção, ninguém barrou sua passagem, depois que sua filha entrou na fase terminal, ela passou a ter livre acesso ao quarto, os corredores são frios e brancos, á frente o berçário ela deu uma pequena parada, viu apenas uma menina negra que pareceu sorrir. Subiu uma escada, era o corredor do quarto de sua filha, vinte três era o número, sua filha estava desacordada na cama, soro no braço e sua cabeça sem um fio de cabelo.
Ela tirou da bolsa a caneca e a poção, colocou na mesinha próxima a cama, segurou a poção com uma mão, abriu com a outra, despejou na caneca, levou até a boca e assoprou todo seu espírito, com a mão direita tampou o nariz da filha, a esquerda despejou o liquido da caneca na boca dela.

- Que Deus me perdoe!

Benedita fechou a poção, colocou na bolsa, olhou para a caneca, a deusa Réia pareceu estar rindo, colocou a caneca na bolsa, fez todo caminho de volta até o fusca de Célia e disse.

- Amiga, me leva para casa.

Quando o fusca chegou, Benedita está adormecida, Célia colocou a mão em seu ombro, ela despertou e disse.

- Só mais um favor.

Benedita abre a bolsa e tira a caneca e a poção.

- Guarde isso para mim, desde ontem eu não durmo, muito obrigado, você é minha melhor amiga.

Lagrimas nasceram nos olhos de Benedita, Célia não se aguentou, também chorou, as duas  se abraçaram.


No
 hospital outro dia nasceu, Renata despertou, seu rosto continuou fino, mas não estava mais pálido, não reconheceu aquele quarto, olhou para o soro, sentou na cama, olhou para os lados, levantou-se e segurou o suporte do soro, se dirigiu até a porta, abriu, começou a caminhar pelo corredor, fez o caminho até a recepção e disse a recepcionista.


- Por favor! Poderia ligar para meu marido ou minha mãe?
- Um momento
 


E quando a recepcionista viu Renata colocou a mão no peito e fez uma tremenda cara de espanto.


Renata e seu marido Carlos estão no quarto, Carlos confuso devido á rápida cura de sua esposa, seus cabelos grisalhos e seu corpo magro denunciava o que ele passou nas ultimas semanas. 

- Sumiu! O câncer sumiu – Diz o medico ao entrar – Eu não sei o que aconteceu se foi milagre ou não, mas ele sumiu.
- Minha esposa está curada?
- Sim! A tomografia mostra que não há nenhum vestígio do câncer!
- Então eu posso ir para casa? – disse Renata
- Pode! Mas gostaria que voltasse amanham, para outros exames.
- É claro que volto se for para ficar o mínimo tempo possível.

Renata trocou de roupa, quando foi sair do quarto acompanhada de Carlos, notou uma cadeira de rodas a sua espera, dispensou, fez o caminho do quarto até a recepção, agradeceu a recepcionista, o caminho da recepção até o estacionamento, Carlos abriu a porta do sedam cinza, Renata se acomodou e deu um lindo sorriso para Carlos estendeu a mão e disse.

- Ligou?
- Leguei! Mas ela não atendeu.
- Estranho! Empresta o celular.
Renata digitou alguns números, o telefone tocou e tocou!
- Tem um pessoal te esperando na casa de meus pais, quem sabe ela não está lá.

O sedam cinza deu à partida e lentamente saiu do estacionamento do hospital.


Na frente da casa dos pais de Carlos havia mais de uma dezena de pessoas esperando por Renata, Carlos estaciona, quando Renata abre a porta do carro, suas duas filhas a abraçam, ela não tem tempo nem de soltar o cinto, há muitos risos, muita alegria, Carla de doze anos já sabia da doença, já Cíntia de seis pensava que sua mãe estava viajando.

Ela solta o cinto e sai do carro, caminha para o portão dos sogros de mãos dadas com as filhas, a festa do retorno começa.

- Minha mãe está aqui?– Pergunta para sogra.
- A ultima vez que a vi foi no hospital.
- Carlos, vai à casa da mamãe, a traz para cá.

Carlos não gostando muita da idéia entra no seu carro, Carla e Cíntia, as duas loirinhas puxam sua mãe para o parquinho atrás da casa, a felicidade está estampada na cara das três.

O almoço é servido, são doze e trinta, Carlos não retornou, por diversas vezes Renata ia até o portão, a sogra vem até ela e diz.

- Minha filha, descanse um pouco, quando Carlos chegar com sua mãe eu te chamo.

Ela foi para o antigo quarto de seu marido e adormeceu, quando ela acordou já tinha passadas varias horas, ela sai do quarto e vai até a sala, lá encontra seu marido assistido o jornal, suas filhas dormindo em um sofá, o sogro e a sogra na cozinha.

- Carlos cadê a mamãe?

Ele se vira assustado e diz.

- Buzinei, bati na porta, olhei a janela, não havia ninguém na casa dela.
- Pega as meninas, vamos lá agora.

Carlos ajeita as duas meninas no carro, Renata se despede do sogro e da sogra, Carlos só dá um adeus do carro, eles partem em direção da casa de Benedita.

Eles chegam à casa de Benedita, tudo está apagado, apenas Renata desce, ela caminha até a porta, dá uma espiada pela janela, abre a bolsa, tira um molho de chaves, em menos de um segundo encontra a chave correta, abre a porta.

- Mãe!

Ela acende a luz da sala.

- Mãe!

Caminha por toda sala, até o quarto escuro.

- Mãe!
- É você filha?

Renata acende a luz, vê sua mãe na cama, ela tinha a expressão de dor no rosto.

- O que está acontecendo?
- É apenas uma gripe minha filha.
- Isso não é gripe.

Renata correu até o carro.

- Carlos, algo está errado, ela está na cama e parece muito doente.
- Sua mãe?
- É a mamãe sim! Temos que leva-la para o hospital agora.

Na sala de espera do hospital, o relógio marca seis horas, Renata passou sozinha toda àquela noite, Carlos ficou em casa com as crianças, os exames começaram a ser feitos às quatro da manhã, ela dormiu alguns momentos sentada naquele sofá, á médica apareceu, com seu uniforme branco, era negra, cabelo alisado.

- Muito estranho! Diz a medica.
- O que é estranho?
- Sua mãe está com câncer no pâncreas, idêntico ao que você tinha e muito evoluído.

O cansaço de Renata desaparece, ela não sabe o que dizer, sua mãe estava ótima à alguns dias e de repente se inverte os lugares.

- Vamos fazer mais exames, se quiser ir para casa te ligamos quando eles estiverem prontos.
- Eu prefiro ficar aqui.


A médica sai, Célia chega.

- Vim o mais rápido possível, pelo amor de deus o que está acontecendo.
- Parece que o câncer saiu de meu corpo e foi para o dela.
- Mas isso é impossível.
- Você é a melhor amiga dela, ela fez algo diferente nestes últimos dias?
- Anteontem fomos a uma cigana.
- Cigana?
- Sim! Ela pagou com o relógio de ouro.
- Aquele relógio valia muito, foi presente de meu pai.
- E ela me deu uma estranha caneca com a figura de duas mulheres em alto relevo e um frasco.
- Está com você?

Célia abre a bolsa, tira a caneca e o frasco, Renata se levanta do sofá, estende a mão até a caneca, toca o alto relevo.
 

- Parece mãe e filha. - Diz Renata – Você pode me levar ate esta cigana.

- Claro que posso, aquela cigana é muito esquisita.

As duas saem do hospital, atravessam todo estacionamento até o fusca de Célia, entram e partem.
 

O fusca para próximo à barraca da cigana, elas descem, caminham em direção dela, e quando se aproximam, Célia tenta expiar o que há lá dentro.

- Estava esperando por vocês.

As duas dão meia volta, lá estava à cigana, com a mesma roupa.

- Desculpa se assustei - diz ela – Eu não gosto que bisbilhotem minhas coisas.
- O que você fez com minha mãe.
- Eu nada! Ela que fez por você.
- Há um meio de reverter.
- Vamos! À gente conversa lá dentro – diz a cigana – Apenas nós duas.

Elas entram. Tudo estava do mesmo jeito, a mesa, as cadeiras, a mesma vela.

- O que aconteceu, porque o meu câncer passou para minha mãe.
- Ela queria um milagre, eu ofereci um sacrifício.
- Como podemos reverter.
- Basta você fazer o mesmo sacrifício.
- E o câncer retorna ao meu corpo?
- Primeiro você coloca o liquido do frasco na caneca, sopre teu espírito nela, depois faça com que sua mãe beba.
- E o câncer retorna ao meu corpo?

A cigana se levanta, dá meia voltou e caminhou alguns passos e diz.

- Isso eu não vou lê dizer, mas depende apenas de você.
 

Ela sai da barraca e encontra Célia com uma cara de espanto e curiosidade, antes que ela pudesse dizer algo a cigana faz um gesto com a mão e diz.

- A deixe pensar um pouco.

Foram muitos minutos que Renata ficou dentro da barraca, sua mãe, sua filhas, sua mãe, sua vida, ela não parava de pensar, passou mais alguns minutos, ela se levantou e saiu da barraca, e disse a Célia.

- Vamos voltar para o hospital.

Passou por Célia e entrou no fusca, Célia tentou puxar conversa sobre o que aconteceu, Renata nada disse, quando chegam ao hospital Célia estacionou bem próximo à recepção, Renata olhou para ela e disse.

- Eu não sei como agradecer, você é uma irmã para minha mãe, eu confio em você da mesma forma que ela e te peço que não diga nada sobre o que aconteceu.
- Não direi nada.
- Preciso do frasco e da caneca.

Célia abre a bolsa, tira os entrega, Renata saiu do carro, entrou no hospital, passou pela recepção, ninguém barra sua passagem, os corredores são frios e brancos, à frente o berçário ela deu uma pequena parada, viu as gêmeas, uma delas parece sorrir para ela, subiu uma escada, era o corredor do quarto de sua mãe, vinte três era o número, o mesmo quarto, Benedita parece estar dormindo.

Ela colocou a caneca e o frasco na mesa, despejou o liquido na caneca, respirou fundo, elevou a caneca bem próxima da boca, suas filhas, seu marido, sua vida lhe vem.

- Eu não consigo – disse ela colocando a caneca na mesa – eu não posso.
- Filha!
 

Renata olha para a mãe, o rosto de Benedita tinha algo de especial.

- Mãe! Por que você fez isso?
- Faria mil vezes!
- Eu não consigo!
- Você não precisa.
- Não quero que você morra.
- Já estou velha.
- Não
- Você tem duas filhas, um marido e muito que viver.
- Mas mãe..
- Renata, os filhos são a extensões dos pais, eu sempre estarei com você.

Elas conversaram durante horas, Benedita faleceu dois dias depois, seu enterro foi disputadíssimo, devido aos curiosos, Renata colocou a caneca e o frasco junto de sua mãe, já a cigana apareceu no cemitério no dia seguinte ao enterro, deixou um vaso com rosas e nunca mais foi vista naquela cidade.
   


Comentários

  1. Tem que ter paciência para ler tudo, mas vale a pena quando o conto é bom e bem redigido! Beijos! Aparece para ler algo no meu blog e se puder segue tbm e me circula. Tou a pedir demais hein! rss. Bjos!

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